Desporto

Northwest Triman em "As Pontes" na Corunha (Galiza)

Relato do Associado António Moriés

Tudo começou por saber que outros colegas tinham feito a prova no ano anterior, como o caso do Vitor Gomes, Luís Faria, Eduardo Ferreira e Pedro Silva. Na verdade, eu não treinava há dois anos e estava a precisar de um grande incentivo para recomeçar a treinar.

Em família, decidimos dar seguimento a este meu desejo, que consistia em fazer uma prova com distância "Ironman" (3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42 Km de corrida). Sublinho que a decisão foi em família, pois sem o apoio incondicional da nossa cara-metade, não conseguiremos fazer o treino necessário para terminar saudavelmente esta prova.

Antes de me inscrever ainda tive a ideia de ir correr uma maratona, no dia 31 de outubro de 2015, o que se comprovou ter sido um disparate, pois não tinha treinado minimamente para isso. Resultado: corri cerca de 20 km e depois fiz 11 km a correr e a andar e a fazer alongamentos aos gémeos, coitadinhos, que sofreram bastante, enquanto fui ultrapassado por um grupo da terceira idade que ia a passar. Mas consegui perceber que, sem treino, conseguia fazer 20 km, portanto, com treino, provavelmente, conseguiria fazer os 42 km. Agora só faltava ver em que condições estava na bicicleta e na natação.

Para aproveitar o preço de inscrição mais barato, inscrevi-me ainda no mesmo dia (31 de outubro de 2015). E pronto, uma vez inscrito, não havia marcha atrás na minha vida. Agora tinha de começar a treinar e a treinar muito a sério.

Comecei a "aquecer" nos meses de novembro e dezembro de 2015 e fiz o Tróia-Sagres de bicicleta em 7h30 (180 km), sem parar. Não correu muito bem, pois quando cheguei a Sagres, não consegui pousar o pé direito no chão. Acontece que tinha comprado uns sapatos para levar para esta viagem, o que se comprovou ter sido má ideia, pois temos de fazer adaptação a tudo o que vamos usar nestas distâncias, sejam os sapatos de ciclismo, sejam os sapatos de corrida, o selim da bicicleta, etc. O problema também pode ter sido demasiada carga nos últimos dois meses.

No fim de semana seguinte fiz outros 180 km, mas desta vez usei os velhinhos sapatos de bicicleta e consegui terminar sem problemas de maior. Estava feita a preparação para o segmento de ciclismo, em termos de alimentação e conforto. Percebi, contudo, que teria de fazer um maior investimento ao nível de horas de treino, nomeadamente ao nível do ciclismo. Para já, estavam a correr bem as adaptações fisiológicas do organismo ao esforço e estava a conseguir ter rotinas de treino.

Arranjei no início de dezembro um treinador que me ajudou a delinear e ter um padrão alimentar de abastecimento em cima da bicicleta e na corrida. Infelizmente, eu não tinha horas disponíveis para treinar, de acordo com o que o treinador desejava e decidimos no final de dezembro que acabávamos com a nossa relação profissional, mas ficámos com uma amizade que tem durado até agora e ainda nos contactamos com alguma frequência.

Aproveitando a experiência de vários amigos e colegas, consegui (à bruta) elaborar o meu plano de treinos e dada a carga imposta de repente, durante janeiro e fevereiro, contraí uma fascite plantar nos dois pés, o que me obrigou a um cuidado especial nos treinos de natação e impediu-me de correr à vontade durante 2 meses, enquanto fiz 40 sessões de fisioterapia. Após esse período, passei a correr apenas entre 5 e 10 km de cada vez até à prova de 25 de junho (Northwest Triman).

Apenas 15 dias depois de acabar a fisioterapia e ainda com muito medo, tive um teste duríssimo, que foi o Half Ironman de Lisboa (1,9 km de natação, 90 km de ciclismo e 21 km de corrida), em 7 de maio de 2016. Foi uma prova duríssima, dadas as condições climatéricas, com muito frio, muita chuva, com chuva de pedra duas vezes durante o segmento de ciclismo e com muitas piscinas para transpor, no segmento de corrida. Terminei em 7 horas e 4 minutos, acompanhado pelo meu filho nos segmentos de ciclismo e corrida. A hipótese de desistência nunca foi colocada.

Ultrapassado que estava este teste, os colegas triatletas e não só, afirmaram que eu iria conseguir fazer o Ironman, pois tinha conseguido acabar a prova de Lisboa, que tinha sido tão difícil.

Olhando para trás e comparando com a prova "Ironman", apercebi-me que, na prova de Lisboa, os músculos nem chegaram a aquecer, por isso é que me custou tanto.

Superado este teste, elaborei um plano (menos bruto que o anterior) para atacar o Northwest Triman de "As Pontes", prova com distância Ironman. Ainda tinha um mês e meio para treinar e aproveitei-o bem.

No total, foram 8 meses de treino, nos quais gastei 145 mil calorias, o que ficou bem à vista no meu corpo. A primeira batalha estava ganha: tinha conseguido fazer as adaptações fisiológicas do organismo ao esforço, rotinar a minha vida, delinear e ter um padrão alimentar de abastecimento em cima da bicicleta e na corrida. Como estava com medo de não me dar bem com a alimentação e suplementos distribuídos pela organização da prova, fui em autonomia total, isto é, fui muito mais pesado, pois levei comigo tudo o que ia consumir (com a exceção da água para o segmento de corrida).

Na prova de Lisboa, o primeiro segmento, a natação, tinha demonstrado ser um horror, pois rapidamente entrei em pânico. Para quem não sabe destas coisas, o organismo não reage bem a estar dentro de água fria, os órgãos dentro da caixa toráxica encolhem-se todos, como mecanismo de defesa e como ficamos com dificuldade acrescida em respirar no momento em que precisamos de oxigenar muito bem, pois estamos em competição, o organismo entra em pânico e é uma bola de neve que nos impede de fazer chegar o oxigénio aos músculos, para progredirmos na água. Como se isto tudo não bastasse, ainda vamos ter uns atletas atrás de nós a baterem-nos nos pés, o que faz com que afundemos e ainda levamos uns toques dos parceiros que estão ao nosso lado.

Esta experiência da prova de Lisboa foi ótima, pois na Galiza, no Northwest Triman, deixei ir todos os atletas à minha frente e só depois é que entrei na água e comecei a nadar. Mesmo assim, ainda fui abalroado por um atleta "com o GPS avariado". Levou logo um "chega para lá" e nunca mais andou perto de mim. A temperatura da água estava aceitável.

Fui quase o último a acabar, com 1 hora e 35 minutos, o que é muito, mas permitiu que chegasse bem e pronto para a bike. Eu tinha como tempo previsto 2h00 caso me corresse mal, portanto já estava a ganhar 25 minutos (o dobro do tempo da prova de Lisboa seria 1 hora e 50 minutos e demorei menos 15 minutos do que o dobro).

No segmento de ciclismo (4 voltas), a cada volta tinha mais avisos de músculos diferentes das pernas (sempre acima do joelho) e fui controlando. Na primeira volta só usei a pedaleira pequena uma vez e na 4.ª volta, já usei umas 4 vezes, mercê dos vários avisos musculares.

Choveu sempre, mas era uma chuva miudinha. A temperatura começou nos 12ºc e foi até aos 19ºc a meio da prova e voltou aos 12ºc no final. Demorei 6h30 no segmento de ciclismo, menos uma hora do que no percurso Tróia-Sagres em dezembro último, quando fiz apenas o segmento de ciclismo.

Na prova de Lisboa (metade da distância) demorei 3 horas e 6 minutos e o dobro seria 6 horas e 12 minutos. Fiz mais 18 minutos. Talvez justificáveis pela altimetria e pelo segmento que ainda estava para vir (uma maratona). Altimetria no segmento de ciclismo: 1434 metros.

Agora faltava o teste final. O meu maior medo. Será que as fascites plantares iriam voltar, mercê do esforço do ciclismo seguido da corrida? Não, não voltaram. Na corrida, controlei sempre bem. Procurei não exceder as 140 bpm e não tive qualquer problema nas pernas ou nos pés. Parei/afrouxei sempre nos abastecimentos e também quando as pulsações passavam muito das 140 bpm. Os intestinos também foram meus amigos e agradeceram o treino de adaptação de oito meses e portaram-se bem, felizmente.

Demorei 5 horas e 5 minutos no segmento de corrida, o que foi uma evolução brutal, considerando que demorei 2 horas e 54 minutos na prova de Lisboa, que tinha metade da distância (o dobro seriam 5 horas e 48 minutos) e considerando também que nunca na minha vida tinha feito uma maratona. Altimetria do segmento de corrida: 240 metros. Tempo total, contando com as transições: 13 horas e 32 minutos.

Já sou, finalmente, um Ironman.

Nas massagens pós prova e na massagem seguinte, tinha muitas dores, mas não apareciam sem ser nas massagens. Na terceira massagem já quase não tinha dores. Na semana seguinte ainda fiz outra massagem e já não tinhas dores.

Nota 10 para a "afición" espanhola, que, mesmo com chuva, levam os bebés para a rua nos carrinhos e vão apoiar os atletas. A organização também foi inteligente, pois colocou o percurso da corrida a atravessar parques e a passar por várias esplanadas, onde toda a gente apoiava os atletas. Agradecimentos a todos os que me ajudaram com dicas e táticas, especialmente o João Silva (natação, motivação), Pedro Caeiro (natação, alimentação, ciclismo, motivação) Rogério Araújo (motivação) e Vitor Francisco (motivação), Humberto Lomba (motivação) e Nanda (motivação), Luís Rocha (massagens, motivação) e Branca (a minha esposa; apoio incondicional, logística, motivação).

Como diz o Rogério Araújo, a partir desta data nada será como dantes, pois eu sou outra pessoa, depois de passar o pórtico da meta de chegada.

Publicado em 30/08/2016